domingo, 16 de novembro de 2008

ALGUNS ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A RESERVA LEGAL

Sem abordarmos a questão das inconstitucionalidades do Decreto 6514/08 e da Medida Provisória 2.166-67, de 24.08.2001, que alterou o Código Florestal substancialmente, entendemos necessário que sejam abordados e enfrentados alguns outros aspectos jurídicos sobre a instituição da Reserva Legal nos imóveis rurais.

Alguns desavisados pensam que o tema RESERVA LEGAL como uma restrição administrativa ao direito de propriedade é recente. Não o é.

A preocupação com o meio ambiente é muito antiga e a encontramos desde o Código de HAMURABI, o Egito, a Bíblia e em vários ordenamentos jurídicos, inclusive nas Ordenações Filipinas que previam no Livro Quinto, Título LXXV, pena gravíssima ao agente que cortasse árvore ou fruto, sujeitando-o ao açoite e ao degredo para a África por quatro anos, se o dano fosse mínimo, caso contrário o degredo seria para sempre.

Importante é se informar que anterior à Ordenações Filipinas, houve a Ordenações Afonsinas, que tanto uma quanto à outra, estava em vigor em Portugal na época do descobrimento do Brasil. A Ordenação Afonsina continha determinações proibitivas de que não se podia atirar aos rios e lagos material que pudesse matar os peixes ou perturbar seu desenvolvimento (ROCHA, 2000, p. 184). Sabe-se, também, que o termo madeira de lei popularizou-se porque uma carta do rei português considerava determinadas árvores nobres como de propriedade da corte e proibia o abate delas.

Além desses ordenamentos, existiram documentos que construíram a história do direito ambiental, como o Código de Hamurabi, o Livro dos mortos do Antigo Egito, o hino persa de Zaratustra, e a Lei Mosaica que determinava que em caso de guerra que fosse poupado o arvoredo; ou seja, desde as civilizações mais antigas existe um respeito  imaculado à natureza (MARUM, 2002, p. 129), porque a água e as florestas eram vitais para as atividades econômicas e bélicas daquelas épocas.

As primeiras leis da humanidade, fixadas por escrito, foram códigos que regulavam o uso da água, há 4000 a. C sobre a regência de Hamurabi  em 1700 a. C., a Mesopotâmia produziu o primeiro código de leis abrangentes da história que compreende sem ordenamento rígido, 282 parágrafos para regulamentar a vida social. No parágrafo 53 diz: "se alguém se exime de manter seu dique em boas condições, se este dique se romper e todas as lavouras forem alagados, então o responsável pelo dique rompido será vendido como escravo, e a renda em dinheiro deve repor os cereais cuja destruição causou"
(BORGES, 2001, p. 70-5).

Também na Magna Carta outorgada por João Sem–Terra em 1215 haviam dispositivos que consagravam disposições em relação a florestas. Tal documento posteriormente à sua outorga foi dividido em duas partes, isso é, a Carta das Florestas e a Carta das Liberdades, que hoje é reverenciada em todos os ordenamentos jurídicos. Na Carta das Florestas era determinada que todas as florestas pertenciam ao rei, vedando aos súditos de praticar a caça e a exploração de madeiras nas mesmas (MARUM, 2002, p. 129).

A humanidade em toda a sua história escrita sempre teve uma preocupação por um ambiente equilibrado, para que não faltassem os recursos naturais.

No Brasil a preocupação não foi menor. Em 1934 foi editado o primeiro Código Florestal, que criou o limite do direito de uso da propriedade, a chamada "quarta parte", ou seja, a reserva obrigatória de vinte e cinco por cento de vegetação nativa de cada propriedade rural. Em 1938 houve a edição do Código de Águas. Em 1965 o Código Florestal, que no texto primitivo (art. 16), dizia "nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente". Em 1967 o Código de Pesca e também o Código de Mineração, e em 1980 o Código Brasileiro do Ar.

No dia 31 de Agosto de 1981 foi editada e denominada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo a primeira com exclusiva preocupação ambiental com tutela direta para a coletividade, mitigando o interesse individual. Em seguida há a edição em 24 de Julho de 1985 da Lei que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, fornecendo instrumentos processuais para coibir e reparar danos à natureza.

Com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 vem o art. 225 onde todos têm direito ao meio ambiente  ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e á coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Segundo as palavras de Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2003, p. 15) considera-se que:

Assim, temos que o art. 225 estabelece quatro concepções fundamentais no âmbito do direito ambiental : a) de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; b) de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado diz respeito à existência de um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, criando em nosso ordenamento o bem ambiental; c)de que a Carta Maior  determina tanto ao Poder Público como à coletividade o dever de defender o bem ambiental assim como o dever de preservá-lo; d)de que a defesa e a preservação do bem ambiental estão vinculadas não só às presentes como também às futuras gerações.

Neste relato o que interessa é particularizar a questão ambiental especificando-se a questão da restrição administrativa sobre o direito de propriedade jurisdicizada como RESERVA LEGAL.

No Código Florestal, de 1965, tem-se a impressão de que o legislador partia do pressuposto de que o proprietário não deveria desmatar toda a área e por isso dizia:

"...as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente".

Não tinha a intenção de atingir aquelas que não eram anteriormente cobertas por florestas, como as várzeas.

A Lei 7.803, de 18 de julho de 1989, que alterou a redação original do art. 16, entre outros, do Código Florestal de 1965 é que criou o termo reserva legal:

§ 2º A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área.

Nota-se que o legislador fala em corte raso, isto é, refere-se a uma área coberta de florestas e não de gramíneas. O legislador não tinha a intenção de atingir as áreas que nunca foram cobertas de florestas.

Em 1991, pela Lei Agrícola, de 17 de janeiro de 1991, assinada por Fernando Collor de Melo, reza:

Art. 99. A partir do ano seguinte ao de promulgação desta lei, obriga-se o proprietário rural, quando for o caso, a recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal, prevista na Lei n° 4.771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei n° 7.803, de 1989, mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total para complementar a referida Reserva Florestal Legal (RFL).

Abstrai-se que o espírito do legislador era atingir aquelas propriedades que não tivessem observado a restrição de 20% prevista no Código Florestal, e não a toda e a qualquer propriedade, senão o legislador não teria colocado as expressões "recompor" e "quando for o caso".

Posteriormente foi editada a Medida Provisória 2.166-67, de 24.08.2001, que novamente alterou o Código Florestal e teceu a definição de Reserva Legal de forma bem mais abrangente:

III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;

Não se está mais a falar de áreas de florestas que devam ser recuperadas ou preservadas. Pela nova redação legal trata-se de uma parte de uma propriedade, ou posse rural, necessário ao uso sustentável dos recursos naturais, etc...

E esta MP determina, pela nova redação dada ao art. 16, do Código Florestal que a Reserva Legal, nos campos gerais, deverá ser no mínimo de vinte por cento de florestas e outras formas de vegetação nativa. Aqui incluíram-se, também, as várzeas e os campos que nunca tiveram cobertura florestal.

Esta é a verdade legal, isto é, o preceito: todos os proprietários estão obrigados a demarcar uma área mínima de vinte por cento de suas propriedades, para instituição da Reserva Legal que deverá ser averbada na matrícula do imóvel.

E quando o imóvel tiver diversas matrículas o proprietário deverá pedir a unificação delas para que seja feita uma só averbação, sob pena de efetuar tantas demarcações e averbações quantas matrículas houver. E quando for titular de fração ideal? Poderá qualquer condômino averbar a RL na matrícula que é do imóvel e, consequentemente, de todos os condôminos? E se cada condômino já estiver "de fato" com fração ideal localizada, sujeita a legalização fundiária pelo instituto da Gleba Legal, como averbará se não tiver matrícula própria e individualizada de sua fração ideal localizada? As perguntas ao direito registral são inúmeras e o legislador desconheceu a realidade fundiária.

Para localizar-se a famosa Reserva Legal dentro da propriedade rural deve-se observar o que determina a dita Medida Provisória:

§ 4o  A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social da propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o plano diretor municipal;

III - o zoneamento ecológico-econômico;

IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e

V - a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.

No caso viamonense, que integramos três bacias hidrográficas (Gravataí, Guaíba e Laguna dos Patos) e nenhuma delas tem o plano de bacia, o primeiro item já não será preenchido. Temos o plano diretor municipal, mas que não prevê esta questão ambiental. Não temos o zoneamento ecológico-econômico. Não temos o zoneamento ambiental. Não tem como ser aprovada a constituição da Reserva Legal.

Finalmente veio a penalização do proprietário rural, com o Decreto 6514/2008, que os senhores bem conhecem e a superestimação das multas e a exigüidade do prazo para cumprimento do Código Florestal de 1965 e suas posteriores alterações.

A indagação que se impõe é como deve proceder o proprietário rural diante da previsão das multas do art. 55, do Decreto 6514/2008?

Principalmente quando o comitê da bacia hidrográfica não tem, ainda, o seu plano; quando o plano diretor municipal não prevê a reserva legal; quando não existe o zoneamento ecológico-econômico; quando não está sujeito a nenhum zoneamento ambiental; e quando não está próximo de nenhuma daquelas áreas enumeradas na Medida Provisória?

Face as dificuldades para constituição e aprovação da reserva legal se trata, hoje, de letra morta? Não. Porque a autoridade pública ambiental poderá guiar-se pelos critérios constitucionais sobre a função social do imóvel e localizar a área.

Como os legisladores desde 1965 fixaram um porcentual sem qualquer base científica, de forma genérica, como se todos os imóveis fossem iguais e todas as regiões e municípios vivessem a mesma realidade econômica e social, é certo que há inúmeras dificuldades para a aplicação da lei, e se aplicada ferirá muitos interesses humanos e causará mais prejuízos do que benefícios.

A proposta que se impõe é de que cada município estabeleça o porcentual necessário para constituir a sua reserva legal, disciplinando na forma e conteúdo a sua melhor política ambiental e humana, respeitando as peculiaridades de sua economia. Preservando as culturas tradicionais e desenvolvendo políticas economicamente viáveis de recuperação das áreas que estiverem degradadas.

José Tadeu Pereira da Silva

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Código Florestal

Durante o regime militar foi instituído o Código Florestal através da Lei Nº 4.771 de 15.09.1965, publicada no DOU em 16.09.1965.

Pelo qual foi declarado que as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. Já se percebe a clara limitação imposta ao direito de propriedade e a incita responsabilidade do proprietário de qualquer bem imóvel quanto a vegetação que o cobre.

Sob este diapasão legal tem-se que é obrigação de todo o proprietário, urbano ou rural, preservar os nossos recursos do reino vegetal, e preservando-os estaremos garantindo a vida dos recursos minerais, dos animais silvestres e do homem.

Em dito diploma legal foram definidas as área de preservação permanente, de reserva legal, de utilidade pública, de interesse social e de Amazônia legal.

É área de preservação permanente aquela coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

É área de reserva legal aquela localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.

É área de utilidade pública aquela necessária às atividades de segurança nacional e proteção sanitária; às obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia; e demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA.

É área de interesse social aquela em que são necessárias as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.

Constitui a Amazônia Legal os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão.

As margens dos rios, ou de qualquer curso d’água, ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água são áreas de preservação permanente, variando esta de 30m a 500m de largura; sendo que nas nascentes e “olhos d’água” deve ser observada uma preservação permanente num raio mínimo de 50m de largura.

Também são áreas de preservação permanente o topo de morros, montes, montanhas e serras; as encostas ou partes destas, com declividade superior a 45 , equivalente a 100% na linha de maior declive; as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; as bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 m (cem metros) em projeções horizontais; as terras que estiverem em altitude superior a 1.800 m (mil e oitocentos metros), qualquer que seja a vegetação.

O Poder Público tem a obrigação de declarar como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público.

As florestas que integram o Patrimônio Indígena estão sujeitas ao regime de preservação permanente

A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.

Se, nestas plagas viamonenses, fosse observado integralmente o Código Florestal seria um caos. Imagina as inúmeras áreas verdes invadidas, as inúmeras residências fixadas em distância inferior a 30m das margens dos córregos d’água, as lavouras implantadas nestas margens ...

Proximamente abordaremos as áreas de reserva legal, de utilidade pública, de interesse social e de Amazônia legal.

José Tadeu Pereira da Silva

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

SERVIÇOS AGROPECUÁRIOS


Amigo, noutro dia, uma moça urbana perguntou-me no que consistiam as atividades numa propriedade rural. Passei a lhe enumerar uma série de trabalhos que se desenvolvem numa fazendola, como se eu fosse o protagonista deste nobre labor, e neste artigo compartilho-o contigo.

Pela manhã, quando o sol ainda está timidamente aparecendo no horizonte é hora de ordenhar uma vaca, cujo terneiro lhe fora separado na noite anterior. Feita a ordenha, sempre se deixando um ou dois tetos para o terneiro, o leite é levado para a cozinha para ser fervido pela patroa, que já está preparando a mesa da refeição matinal: café, leite, morcela, pão preto, doce pastoso de abóbora, queijo feito em casa, etc. Feito o desjejum, quando se está na primavera e o bom tempo o permite, começam os tratos com a terra, aração, adubação, gradeação, e por fim a plantação de milho, feijão, aipim, batata-doce, batatinha, amendoim, etc. coisas que suprirão a despensa e garantirão, se Deus quiser, algum numerário para comprar algumas alfaias, utensílios, etc.

Nos intervalos do trabalho na lavoura tem-se que cortar a lenha para o fogão, aparar a grama do pátio, consertar o telhado, levantar e consertar alambrados, pintar os prédios, consertar as redes de energia elétrica e hidráulica, cuidar da horta e do jardim, enfim numa propriedade rural nunca se tem tempo para a preguiça.

O gado bovino deve ser reparado quase que diariamente, e quando necessário tem-se que aplicar as vacinas, os vermífugos, castrar os terneiros, curar bicheiras, manter todos os animais assinalados e marcados, fazer o pastoreio rotacionado e dividir o rebanho por categorias, pois não se admite que os novilhos fiquem junto com as fêmeas, porque atrasa no crescimento e na engorda dos mesmos. As fêmeas enquanto não tiverem maturidade sexual não podem ficar junto com os touros.

Quando se cria ovelhas a vigilância é redobrada, pois além destes tratos culturais tem que se ter um cuidado extra com os cachorros, os graxains e os ladrões.

Quando chega a época da colheita parece que não se tem tempo para nada, é um corre-corre danado, todos os recursos são direcionados para uma mesma atividade a fim de que não se perca nenhuma parte do produto final de todo o suor vertido nos meses anteriores.

Numa propriedade rural o trabalhador, seja ele empregado ou proprietário, é um profissional multidisciplinar porque é eletricista, pintor, pedreiro, carpinteiro, mecânico, lavrador, retireiro, alambrador, vacinador, inseminador, tratorista, estivador, caseiro, castrador, pastor, jardineiro, tratador, lenhador, etc. Numa propriedade faz-se de tudo porque o dinheiro é muito escasso, e não se tem recursos para contratar mão-de-obra de terceiros, e muito menos se for especializada.

Mesmo assim, sempre se acha um tempinho para tomar uns goles de chimarrão, visitar amigos, freqüentar o CTG, assistir a uma missa, participar de um rodeio, namorar, e outros tantos modos de suavizar os encargos e promover o crescimento social e cultural de quem trabalha e do seu próximo.

Por isto, minhas eternas homenagens ao homem do campo cujas inteligência e necessidades fazem dele um trabalhador ímpar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

AGROPECUÁRIA E A SINA DE QUEM CRÊ

Estamos no final do mês de agosto. Este ano enfrentamos um inverno inclemente, muito frio e chuvoso. Os nossos campos nativos foram queimados pelas geadas, nossas várzeas ficaram inundadas, nossas lavouras de azevém e aveia foram de produção abaixo da média, e, consequentemente, os animais sofreram e perderam pêso. No próximo mês entraremos na estação da primavera e quando o solo estiver com uma média mínima de 18ºC será época de semearmos as pastagens de verão, como milheto, brachiárias, leguminosas, etc. Os nossos animais (bovinos, ovinos, bubalinos, etc) vão engordar, as vacas serão cobertas, e depois iniciaremos a comercialização de nossos produtos pecuários, garantindo uma carne de qualidade nas festas de fim de ano.

Nesta nossa abençoada região a cultura de verão que mais se destaca é a orizícola, cujas terras já estão sendo preparadas e, se tudo correr bem, alguns iniciarão o plantio no mes de outubro e em pleno verão estarão colhendo e obtendo melhores preços do que aqueles que colherem no outono.

Os produtores de plantas do seco, como mandioca, melancia, milho, etc., também já deram início ao preparo do solo: calcareando, lavrando, discando, e estão esperando que o tempo “firme” para lançar a bendita semente no chão.

Sempre foi assim.

Enquanto não tivermos uma política agrária voltada para a melhor remuneração do trabalho, da técnica, do capital e da natureza, viveremos a incerteza econômica e social. O produtor rural é um esperançoso. Em cada safra reúne todos os seus recursos materiais e intelectuais, convoca os familiares, contrata seus auxiliares, adquire insumos, reforma máquinas, contrái dívidas e dá em garantia seus bens, e crendo-se capacitado lança-se ao glorioso labor de gerar riquezas alimentares para uma população, cada dia mais ávida por qualidade e quantidade.

Nesta safra não teremos nada diferente das anteriores. Nesta hora, ainda distante da próxima colheita, há uma perspectiva de bons preços, porque os estoques de grãos estão baixos e os bois estão magros, então os acenos governamentais que nos convidam a investir na atividade agropastoril parecem, e na verdade não são, uma garantia de que a atividade terá uma remuneração digna.

O que o Governo Federal almeja é que os empresários rurais continuem a produzir bastante, para que haja uma enorme oferta de produto no mercado interno e que haja, também, excedentes capazes de garantir o superavit de nossa balança comercial. Pouco importa a ele, Governo Federal, que haja remuneração digna para quem produz.

O empresário rural é antes de tudo um homem que crê no valor moral, social e econômico de seu trabalho. Sabe que é pelo seu sucesso que o erário público obtem recursos para investir na educação, saúde, na segurança, etc. e é pelo seu idealismo que as mesas dos consumidores ficam fartas, com alimentos sadios e baratos, e a nação no cenário internacional mantem-se como uma das maiores exportadoras de grãos e de carne do mundo.

Só falta o reconhecimento dos Poderes Legislativo e Executivo de que sem a atividade empresarial rural o erário público estará empobrecido e não haverá superavit na balança comercial.

José Tadeu Pereira da Silva – Empresário rural e advogado

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

INVERNO E GAUCHISMOS

Na medida que os anos vão passando parece-me que o inverno fica mais inclemente. Sinto mais frio. Como, com o passar dos anos, dorme-se menos eu me acordo, cada vez, mais cedo. Assim curto melhor a geada, do que aqueles que resolvem dormir até mais tarde.

Neste inverno, do ano de 2.007 da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, levantei-me ordinariamente todos os dias por volta das 6:20 horas, isto é, antes que o sol viesse beijar as faces rosadas da mulher amada, e pude apreciar a beleza de nossas ruas viamonenses tomadas de geada e no campo encruzilhadense, onde crio alguns animais, sorver a plasticidade do branco que contrastava com a grama verde, onde os animais sacudindo o gelo deixavam a cama natural levemente demarcada num tapete branco.

Depois caminhando pelos campos tomados de geada eu senti um ventinho leve e gélido, suave e cortante, benfazejo e castigante, que simbolizava para mim todos os contrastes que o homem moderno vive, e mais tarde saiu o sol no início timidamente, como se não quisesse incomodar a natureza vestida num manto alvo, e na medida que o manto se estiolava o sol ia aquecendo os animais, que se levantavam e procuravam algum pasto que não estivesse congelado. Lindo, é muito lindo apreciar estas forças da natureza. Até me esqueci que as botas estavam molhadas de geada derretida e um friozinho danado subia pelos pés e invadia as bombachas e me gelava.

E quando o sol já era dono da situação, com o pingo encilhado era hora de inspecionar os animais e invernadas para ver o estrago feito e as possibilidades de pastoreio. Aparteei alguns animais mais fracos para colocar numa pastagem de azevém e aveia. Examinei as ovelhas e suas crias. E assim foi todo o dia. Era tão gostoso que o corpo, já meio velho (sou exibido), não se cansou. Senti um prazer indescritível nesta tarefa de ser cúmplice e antagonista, ao mesmo tempo, da mãe natureza.

E quando a noite ia caindo, vi que era hora de acender o fogão à lenha para aquecer a água do chimarrão, preparar o arroz carreteiro, fazer passar a “caninha” de mão em mão, contar velhos causos dos tempos antigos e algumas mentiras atuais, que ditas com tanta seriedade parecem verdade (parece, sim, é coisa de político). O fogo ia sendo alimentado com paus de eucaliptos, galhos velhos de aroeira, de carvalho, de cambará, de acácia, de tarumã e a fedorenta capororoca, que tornavam quase vermelha a chapa. A cozinha ficou aquecida pelo fogão, pelo chimarrão, pela pipoca, pelo pinhão, pela cachaça, que a noite entrou quente, escura, medonha ao desenhar nas paredes figuras exóticas projetadas pela luz parca ...

E a mulher reclamando de que as roupas e as pessoas ficariam com cheiro de lenha queimada! Ainda terei uma cozinha só minha, no melhor dos estilos campeiros, com um fogão para queimar moirões velhos e madeiras de metro e meio de comprimento, velhas panelas de ferro, pretas e feias por fora, e eficientes por dentro. Com mesa, bancos e cadeiras feitas de madeira do mato, pelegos bem curtidos da cruza de Merino com Texel, panos de linho branco, tapetes de couro de gado bovino, guampas cheias de cachaça, uma estante cheia de livros, um baú de pilchas, uma cristaleira para guardar as louças e copos, um varal de lingüiça defumada, tulhas cheias de mantimentos, uma manta de charque de ovelha, e outras tralhas que bem suprem o corpo e alma do gaudério.

O inverno, segundo o amigo Catito, ovelheiro de quatro costados, faz com que os sobreviventes das geadas sofram a seleção natural e sejam os animais mais aptos à procriação e à produção de carne e lã. Será que não se dá o mesmo com a gente?

JOSÉ TADEU PEREIRA DA SILVA

terça-feira, 17 de julho de 2007

EMBARGOS À CARNE BRASILEIRA

Os jornais noticiaram, nesta semana, que o Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu pediu o embargo de carnes brasileiras. É um ato político, cimentado nos interesses de criatórios europeus, posto que as carnes brasileiras são responsáveis por 66% das importações européias e competem com as produzidas pelo primeiro mundo.
Os criadores europeus fizeram uma pesquisa inoficiosa no Brasil, sem que indicassem quais os fazendeiros e quais as áreas em que a realizaram, alegando que usamos anabolizantes e permitimos o livre trânsito dos animais. Pura mentira.
No Brasil é proibido o uso de qualquer hormônio ou anabolizante para estimular o crescimento ou engorda dos nossos animais, e muito menos é livre o trânsito dos animais.
Temos dificuldades sim na implantação do sistema de rastreabilidade dos animais. Mas, por necessidade, superaremos este impasse, e em breve será conhecida a origem de cada animal abatido.
Incumbe a todo o produtor rural de animal para o abate, seja ele bovino, bubalino, suíno, aves, etc. zelar pela sanidade de seu criatório, para que possa vender um produto saudável, e sem qualquer efeito residual de medicamentos ou alimentos que tenha utilizado.
A luta do criatório nacional, por razões humanitárias e mercadológicas, é que o nosso produto seja de qualidade superior e se tenha a confiança do consumidor, e para isto é necessário que todo o processo de criação, de abate dos animais e de distribuição das carnes seja franqueado a todo o tipo de inspeção (cientificamente cabível).
E somos capazes de enfrentar qualquer inspeção séria, visto que, passamos décadas investindo em genética, em saúde animal, para obter sanidade, competitividade e produtividade, e somos um dos poucos países do mundo em que é possível produzir o boi ecológico, isto é, somente a pasto e sem qualquer suplementação de origem animal ou sintética que possa comprometer a qualidade do produto final.
(Comente este artigo)

JOSÉ TADEU PEREIRA DA SILVA

domingo, 24 de junho de 2007

Meio Ambiente

Nestas breves palavras, sintetiza-se a preocupação do empresário rural, que vive o dilema de cada vez ter de produzir mais e que sente a perda paulatina da fertilidade natural do solo e da escassez d’água necessária para as atividades agro-pecuárias, face a depredação ou má conservação dos recursos naturais. E não menos preocupado deveria estar o habitante urbano que joga resíduos sólidos nas lixeiras, ruas, praças e córregos, que sofre com as enxurradas, que consome alimentos produzidos à base de agrotóxicos, que vive em cidades que não tem tratamento de esgoto domiciliar, que utiliza veículos e outros produtos de consumo poluentes, etc.

O empresário rural tem consciência de que sobre o seu imóvel pesa a responsabilidade de cumprimento da função social, que é atingida “quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente".

É bom que se conheça um pouco a evolução das ciências jurídicas para se entender que o direito ao meio ambiente equilibrado é de terceira geração (a primeira cimenta-se no princípio da liberdade e a segunda no princípio da igualdade) que se cimenta no princípio da solidariedade, onde todos somos co’responsáveis pelo problema ambiental.

Desde o Código de Hamurabi, 1700 a.C., há uma preocupação da humanidade em preservar o meio ambiente, lá no antigo ordenamento jurídico eram poupados os arvoredos nas guerras, e tinham lá suas razões, posto que, das árvores retiravam o material para a construção dos implementos agrícolas, dos navios, das casas, das armas de guerra, alimentos, etc. Era um pensamento pragmático e simples.

As primeiras leis da humanidade de preservação do meio ambiente, fixadas por escrito, foram códigos que regulavam o uso da água, há 4000 a.C. sob a regência de Hamurabi. No parágrafo 53 diz: "se alguém se exime de manter seu dique em boas condições, se este dique se romper e todas as lavouras forem alagados, então o responsável pelo dique rompido será vendido como escravo, e a renda em dinheiro devem repor os cereais cuja destruição causou" (BORGES, 2001, p. 70-75).

Na origem do direito pátrio encontra-se a Ordenação Afonsina, vigente na época do descobrimento do Brasil, que proibia que se atirasse aos rios e lagos material que pudesse matar os peixes ou perturbar seu desenvolvimento.

Estas preocupações atravessaram os séculos e nenhum efeito surtiu na antiga URSS, onde vários rios tiveram seus cursos desviados do Mar de Aral, para áreas desérticas vizinhas com a finalidade de irrigar lavouras de algodão, do que resultou o aumento da salinidade e duro impacto sobre a fauna ictiológica, e a perda de 2/3 dos recursos hídricos e da atividade econômica da bacia do Aral. E hoje o Brasil quer a transposição do Rio São Francisco ... a história se repetirá? O Rio São Francisco morrerá?

Desconhecendo a história, o DNOS abriu um valo e matou o banhado que iniciava no Passo do Vigário (Viamão) e terminava no Chico Lomã (Santo Antonio da Patrulha), foram implantadas novas lavouras e decretada a morte do Rio Gravataí. É só uma questão de tempo.

Percorrendo o interior vê-se que as matas ciliares, que deveriam proteger os córregos, estão raras. Nas cidades, e especificamente em Viamão, as áreas verdes estão invadidas e os córregos servem de esgoto domiciliar. Que fazem as autoridades públicas viamonenses? Nada... Nada.

Se os nossos governantes e legisladores quisessem criariam mecanismos de incentivo econômico e social para florestamento das áreas limítrofes aos nossos mananciais hídricos, como córregos, vertentes, sangas, arroios, rios e lagoas, e desocupariam todas as áreas verdes invadidas.

A legislação existente não tem um mecanismo que incentive o produtor rural e o habitante urbano a promover a preservação do meio ambiente. A maioria das normas é meramente punitiva, e sabe-se que não é a melhor forma de promover o desenvolvimento equilibrado e sustentável de nossos recursos naturais.Para que se atinga um objetivo é necessário que haja uma forte motivação, e isto é primário em psicologia, então é preciso que o preservador sinta as vantagens econômicas e sociais no processo de preservação.

Não esqueçamos que a Terra é o único planeta conhecido que contem vida, pelo menos na forma que conhecemos, e que esta vida agonizante precisa ser preservada.

José Tadeu Pereira da Silva – Empresário rural e advogado – OAB/RS 21663